Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.
Núñez de Balboa, 56
28001 Madrid
© 2005 Alexandra Sellers
© 2015 Harlequin Ibérica, S.A.
A princesa perdida, n.º 670 - Março 2015
Título original: The Fierce and Tender Sheikh
Publicado originalmente por Silhouette® Books.
Publicado em português em 2006
Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.
® Harlequin, Harlequin Desejo e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.
® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.
Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.
I.S.B.N.: 978-84-687-6477-1
Editor responsável: Luis Pugni
Conversão ebook: MT Color & Diseño
Página de título
Créditos
Sumário
1. Hani
O sonho de Hani
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
2. Shakira
O sonho de Shakira
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
3. Princesa
O sonho da Princesa
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Catorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezasseis
4. A Amada
O sonho da amada
Capítulo Dezassete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezanove
Capítulo Vinte
Epílogo
Se gostou deste livro…
No sonho, Hani tinha um nome. O seu nome verdadeiro. No sonho sabia quem era.
No sonho não estava sozinha. Tinha uma casa e uma família. A sua família. Os rostos queridos que perdera tanto tempo antes eram-lhe devolvidos noutros rostos. E, também esses, de algum modo, lhe pertenciam.
No sonho não tinha fome e diziam-lhe que nunca voltaria a tê-la. Não dormia na terra, numa tenda suja, nem num quarto pequeno e claustrofóbico, de janelas entaipadas. Não, tinha uma cama enorme, cómoda e tão limpa que a sua frescura a impedia de dormir e um quarto tão bonito que, quando o via no sonho, chorava.
No sonho, a sua família dizia-lhe que, por direito, aquilo lhe pertencia e que ela não voltaria a estar sozinha. No sonho, as pessoas chamavam-na «princesa», como se ela fosse alguém importante e a quem valesse a pena amar.
No sonho era uma mulher.
O deserto ardia sob o sol, duro e pouco acolhedor, até se perder de vista nas longínquas montanhas. A estrada que o trespassava, formava uma linha cinzenta de asfalto que se prolongava impiedosamente.
Um camião, coberto com uma lona azul brilhante, percorria a estrada deserta, levantando nuvens de fumo, como se o asfalto lhe fosse incendiar os pneus se ele não continuasse em movimento.
Muito atrás, o xeque Sharif Azad al Dauleh, que estava dentro de um carro prateado, levantou os olhos do mapa que apoiava no volante e olhou pela janela. Ainda não havia rasto do seu destino. Os seus olhos apenas tinham diante de si um deserto nu e estranho. Ali não se sentia em casa.
O seu ponto de destino estava assinalado a caneta no mapa com um X e com as palavras Centro de Internamento Burry Hill. Olhou para a paisagem à procura de uma estrada secundária. Segundo a informação que lhe tinham dado, não deveria estar assinalada. As pessoas, em geral, não apreciavam visitar campos de refugiados.
Pousou o mapa no banco. O sultão dissera-lhe que seria uma missão difícil, mas nem um nem o outro faziam ideia da dificuldade. A tentativa de encontrar um membro perdido da família real era como tentar encontrar uma agulha num palheiro. Além disso, via à sua frente um sofrimento para o qual não estava preparado.
O camião deitava um fumo espesso e o xeque pisou no acelerador para o ultrapassar.
Na parte de trás do camião, agitava-se um vulto que parecia que ia cair a qualquer momento: era um miúdo. O camião levava um vagabundo.
Um vagabundo magro e esfomeado. Sharif viu-o levar o pé descalço até ao pára-choques e esticar-se, agarrando-se ao camião só com uma mão.
Tentava suicidar-se? Quando ia buzinar, o miúdo ergueu o braço e atirou algo às rodas do camião.
Ouviu-se uma explosão, e o camião travou e parou. Sharif guinou o volante, para evitar a colisão e viu o miúdo a correr pela estrada, na sua direcção.
Nessa altura deu-se conta, aterrorizado, que se aproximava um carro. Caiu para o lado, contorcendo-se de dores e esforçando-se para sair da estrada.
Os pneus do carro chiaram sobre o asfalto e um cheiro a borracha queimada encheu o ar.
O carro parou a escassos metros do camião. Entre eles estava o miúdo, com os braços na cabeça e a estremecer. À sua volta, estavam vários objectos caídos, chocolates, um brinquedo e uma laranja que rolava sobre o asfalto.
Sharif abriu a porta do carro e saiu. Era alto, tão alto quanto o sultão, com corpo de guerreiro e um semblante orgulhoso, que alguns diziam ser de arrogância. O seu rosto grande era marcado por um maxilar quadrado e um nariz afilado herdado da sua mãe, uma estrangeira. O lábio superior, bem delineado, e o inferior, muito sensual indicavam possuir uma natureza profunda e apaixonada que poucos chegavam a conhecer. Tinha uns olhos escuros sob umas sobrancelhas rectas que deixavam antever uma grande inteligência.
O miúdo sentou-se no chão. Respirava com dificuldade. Para além disso, parecia ileso.
– És um idiota! – gritou Sharif.
– De… de onde é que o senhor saiu? – disse o rapaz.
Tinha um cabelo espesso e mal cortado. Era muito mais jovem do que aquilo que os seus olhos transmitiam. Mas, nos campos de refugiados eram todos assim. Sharif deu-lhe catorze anos.
Deu uma gargalhada seca.
– De onde saí? O que achas que estavas a fazer? Tens sorte de estar vivo.
Durante alguns momentos, o miúdo olhou surpreendido para a indumentária de Sharif, muito invulgar naquela zona.
– Sim, obrigado – disse.
Aquilo foi tão inesperado que, desta vez, o riso de Sharif foi genuíno. Tirou do bolso uma caixa de ouro e, de lá de dentro, um cigarro, que pôs entre os dentes. O rapaz, que continuava no chão, pôs-se de joelhos, estendeu a mão para agarrar num dos chocolates, mas agarrou-se ao tornozelo, contorcendo-se de dores.
– Estás ferido?
– Não – mentiu o rapaz, como se fosse um perigo admitir uma debilidade e voltou a tentar reunir as suas coisas.
Sharif susteve com o pé um objecto de plástico azul para o qual o rapaz estendia a mão. Ele olhou-o nos olhos, como se estivesse a desafiá-lo.
– Dói muito? – perguntou Sharif.
O rapaz encolheu os ombros.
– É grave? – insistiu Sharif.
– O que é que lhe interessa? Quando seguir o seu caminho no seu carro brilhante, vai sentir-se melhor por me ter perguntado pela minha saúde?
Aquilo era de um cinismo brutal porque transmitia anos de sofrimento. E ele era apenas uma criança. Sharif pensou no horror de haver tanta desconfiança num ser humano. De repente, pareceu-lhe importante que aquele rapaz percebesse que também existia bondade no mundo.
Nas últimas semanas tinha assistido a muitas cenas infernais e tinha conseguido não se envolver. Agora também não queria ser arrastado. Se começasse a envolver-se nas coisas, aquilo seria interminável. Tinha que se distanciar.
– Não sejas idiota. Sobe para o carro. Eu levo-te a um médico.
O rapaz encolheu-se.
– Não obrigado. Quer levantar o pé? Preciso disto – tentou tirar o objecto, mas acabou por rompê-lo.
Tinham-se esquecido do camionista, que agora chegava ao pé deles, furioso.
– Maldita escória! – gritou. – O que estavas a fazer? És um desses malditos refugiados, não é?
Agarrou o rapaz pelo pulso e levantou-o, fazendo com que as suas coisas voltassem a cair ao chão. O miúdo gritou de dor.
– Refugiados? – perguntou Sharif Azad al Dauleh, suavemente.
Houve uma pausa e o camionista olhou para a pose orgulhosa e para as roupas vindas de outro deserto muito distante.
– Bury Hill fica ali – indicava uma vedação de arame farpado vagamente visível à distância. – Não é tão seguro como os outros. As pessoas podem entrar e sair mas não há para onde ir, portanto têm que voltar. Já tinha ouvido falar deste truque… atiram uma pólvora às rodas e, quando os camiões param, eles saltam e saem a correr pelo deserto antes que se consiga apanhá-los – olhou para o rapaz. – Mas desta vez, não, não é?
– Solte-me, seu camelo malcheiroso – gritou o rapaz, abandonando o inglês para falar numa mistura de bagestani com outros dialectos árabes. Depois, continuou a insultar o homem.
Sharif acendeu o isqueiro e sorriu enquanto ouvia o rapaz dizer ao camionista que ele não sabia diferenciar um extremo da cabra, do outro. Inclinou-se para acender o cigarro e, quando voltou a levantar a cabeça, viu o rosto crispado do jovem e sentiu-se petrificado.
– Chega aqui… fedelho – dizia o camionista, tentando dar-lhe um pontapé. Mas, apesar de ter o tornozelo magoado, o rapaz era muito ágil.
Sharif Azad al Dauleh fechou a tampa do isqueiro, levantou a cabeça e tirou o cigarro da boca.
– Solte-o.
O camionista olhou para ele, incrédulo.
– O quê?
– Você é maior do que ele. Além disso, ao contrário dele, deve lembrar-se de quando comeu pela última vez.
– E então? Ele podia ter-nos matado aos dois. E é um ladrão. Olhe para isto tudo. É de certeza roubado – gritou o camionista.
– Solte-o.
– Você não…
O camionista olhou o xeque nos olhos e vacilou. Sharif sorriu com os braços cruzados sobre o peito e os olhos semi-cerrados devido ao fumo. O rapaz aproveitou esse momento para se soltar e a coxear até à porta aberta do carro.
– O senhor está enganado, passou por cima de uma garrafa de plástico – disse Sharif.
Houve uns momentos de desafio. O camionista viu os olhos escuros do xeque e os da criança e fez uma careta.
– Ele é um dos seus, não é?
– Sim – disse Sharif, suavemente. – É um dos meus.
Algo no seu rosto fez com que o outro retrocedesse.
– Bom, eu não tenho tempo para isto – balbuciou. – Tenho que cumprir um horário – disse, cuspindo nas esparsas posses do rapaz e caminhando para o camião. Momentos depois, o camião afastou-se.
Sharif olhou por alguns momentos o arame farpado, tentando compreender algo que achava ter visto. Talvez tivesse apanhado sol a mais.
– Sai daí – ordenou, sem levantar a voz.
A figura magricela saiu de trás da porta do carro.
O rapaz parecia morto de fome. Os braços nus sobressaíam sob a t-shirt larga. O pescoço comprido e as faces chupadas intensificavam a sensação que precisava de uma boa refeição. Mas as parecenças eram inconfundíveis.
– Como é que te chamas? – perguntou, suavemente, em árabe.
O miúdo olhou para ele, respirando aceleradamente, como um animal que está apenas à espera de recuperar as forças para fugir, e não respondeu.
– Eu tenho uma razão para perguntar isto – balbuciou Sharif, com gravidade.
O rapaz insultou-o com o mesmo tipo de linguagem que usara com o camionista.
– Diz-me o nome do teu pai.
Durante alguns momentos, o rosto do rapaz demonstrou uma grande dor, mas logo de seguida voltou a ficar inexpressivo. Encolheu os ombros e aproximou-se para ir buscar uma laranja. Sharif levantou o pé para largar o objecto de plástico e o rapaz olhou para ele, receoso, como se aquele movimento fosse um prelúdio de violência. Confiava tão pouco nele quanto no camionista.
Sharif baixou-se para apanhar o objecto. O rapaz guardou as restantes coisas nos bolsos, e aproximou-se dele.
– É meu. Dê-me isso.
Sharif tirou o cigarro da boca.
– Não o roubaste?
– O que é que isso lhe interessa? Roubei-o eu e não o senhor. É meu. Se ficar com isso, também será um ladrão.
Mexia o pé com tanto cuidado que se percebia que tinha um osso partido. O importante era levá-lo ao médico; depois se preocuparia com o resto. Atirou-lhe o objecto.
– Entra no carro.
Mas o miúdo agarrou no objecto e avançou para a vala.
– Não sejas idiota! – gritou Sharif. – Estás ferido. Deixa-me levar-te a um médico.
O rapaz virou a cabeça e olhou para ele com um sorriso gozão. Com aquela expressão, as suas faces e os seus olhos revelavam novamente as feições que Sharif conhecia tão bem.
– Como é que te chamas? Quem é a tua família?
Mas o rapaz desceu até ao deserto e, momentos depois, já se tinha confundido com a paisagem.
– És tu, meu filho? Deus deu-te sorte?
Farida estava deitada na cama ao lado do seu bebé, tentando acalmá-lo com um nó de pano embebido em açúcar. Estava muito calor no quarto e a única luz que entrava no quarto provinha de uma janela demasiado alta para uma pessoa se poder assomar.
O rapaz aproximou-se e começou a tirar as coisas de baixo da t-shirt. Chocolates, uma pulseira, um aro dos que os bebés mordem quando lhes saem os dentes, laranjas… a jovem mãe sorriu e tocou nas coisas, uma por uma.
– Como é que consegues? – perguntou com admiração.
O rapaz encolheu os ombros e tirou mais objectos… alguns úteis e outros que serviriam para trocas. Hani conseguia arranjar coisas com que os outros nem sequer sonhavam. Talvez graças à sua magreza, ou talvez fosse uma questão de experiência e de sorte, mas ele arranjava coisas para a sua família que as outras não tinham. Tinha sido um dia feliz para Farida quando o rapaz se uniu a ela porque, apesar de ser jovem, tinha passado anos nos campos de refugiados. Tinha a inteligência de um homem muito mais velho, e a sua rapidez e astúcia protegiam-nos frequentemente.
Por certo usava o seu bom inglês para enganar as pessoas das lojas. No campo, ninguém sabia desse seu talento. E era-lhe muito útil. Hani sabia sempre o que se passava no campo porque se punha à escuta perto do escritório. Fora ele o primeiro a ouvir a notícia do emissário do sultão.
O rapaz tirou uma última coisa do bolso e pousou-a em cima da cama: uma carteira de pele preta.
Farida arregalou os olhos. O Hani não costumava ser carteirista. A carteira era obviamente uma coisa cara, de pele fina e suave. Farida agarrou-a e tirou o dinheiro que estava dentro. Contou-o rapidamente e sorriu. Aquele dinheiro iria facilitar-lhes a vida durante semanas inteiras.
Entregou o dinheiro a Hani que foi buscar um recipiente que tinha dentro uma embalagem de iogurte com um trapo, um pouco de sabão azul e branco e uma esponja. Levantou a embalagem de iogurte e pôs o dinheiro no recipiente maior, voltando a pôr o outro por cima. Aquilo era o seu banco.
– O que é isto? – murmurou Farida. Olhava para o selo dourado e para a caligrafia delicada do cartão que tinha encontrado na carteira. – Sua excelência Sharif Azad al Dauleh… – abriu muito a boca. – Roubaste um diplomata bagestanês? – sussurrou. – Como? Onde é que estava? Como é que te aproximaste?
Hani lavou o anel de plástico e deu-o ao bebé.
– Na estrada. O carro dele estava atrás do camião em que voltei. Quase me matou, mas tinha bons reflexos.
– Estás ferido? – perguntou Farida, preocupada.
O rapaz encolheu os ombros.
– Diz-me o que aconteceu.
Levantou-se e andou de um lado para o outro do quarto enquanto ouvia o relato do que se passara. O bebé mordia o anel e olhava para Hani com os olhos muito abertos e curiosos.
– Oh, Hani! Deve ser ele. O enviado do sultão Ashraf.
Há dias que corriam os boatos que iria chegar um alto oficial do Bagestão. Não se sabia qual o motivo da sua visita, mas os bagestaneses do campo tinham esperanças que estivesse relacionado com a sua repatriação agora que havia um novo sultão no trono.