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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2012 Kate Hewitt. Todos os direitos reservados.

O MAIS ESCURO DOS SEGREDOS, N.º 1428 - Dezembro 2012

Título original: The Darkest of Secrets

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em português em 2012

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ®,Harlequin, logotipo Harlequin e Sabrina são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-1326-7

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo 1

 

– Abram.

Tinham demorado quase dois dias a conseguir. Khalis Tannous deu um passo atrás, enquanto os dois engenheiros que contratara para abrir a caixa forte do pai retiravam a porta de dobradiças. Tinham recorrido a toda a sua sabedoria, mas o pai de Khalis sofrera de paranoia e o sistema de segurança era muito avançado. Por fim, tinham usado tecnologia laser de vanguarda, para cortar o metal.

Khalis não fazia ideia do que havia lá dentro, nem sabia o que existia na cave do complexo da ilha privada do pai. Já percorrera o resto das instalações e encontrara provas suficientes para prender o pai para sempre, se continuasse vivo.

– Está escuro – disse um dos engenheiros. Tinham apoiado a porta numa parede e a entrada para a caixa forte era escura e disforme.

– Duvido que haja janelas aí dentro – Khalis sorriu com amargura. Não conseguia imaginar o que haveria. Um tesouro ou problemas? O pai tinha afeição por ambas as coisas. – Uma lanterna – pediu. Puseram-lhe uma na mão.

Acendeu-a e deu um passo para a escuridão. Tinha o coração acelerado. Tinha medo e isso irritava-o, mas conhecia o pai suficientemente bem para querer estar preparado para enfrentar outro testamento trágico do seu poder e crueldade.

A escuridão envolveu-o como veludo. Sentiu um tapete grosso sob os pés e captou o cheiro surpreendente de madeira e cera para móveis. Sentiu alívio e curiosidade. Levantou a lanterna e iluminou tudo à sua volta. Era uma sala grande, mobilada como o escritório de um cavalheiro, com sofás e poltronas elegantes, e até uma mesa para bebidas.

Mas Khalis não acreditava que o pai construísse uma caixa forte para relaxar e beber um copo do seu melhor uísque. Viu um interruptor na parede e acendeu a luz. Virou-se, olhando primeiro para os móveis e depois para as paredes.

E o que havia nelas? Moldura atrás de moldura, tela atrás de tela. Reconheceu algumas, outras não. Um grande peso caiu sobre ele, como um sudário. Outra demonstração das atividades ilegais do pai.

– Senhor Tannous? – chamou, inquieto, um dos engenheiros. Khalis compreendeu que o seu silêncio era demasiado longo.

– Estou bem – respondeu. O que tinha diante dos seus olhos era espantoso... E terrível. Viu uma porta de madeira na parte de trás da sala. Aproximou-se e entrou numa sala muito mais pequena. Ali, só havia dois quadros, que fizeram com que Khalis semicerrasse os olhos. Se eram o que pensava...

– Khalis? – chamou Eric, o seu assistente. Khalis saiu da sala e fechou a porta.

Apagou a luz e saiu da caixa forte. Os dois engenheiros e Eric esperavam-no, com expressões curiosas e preocupadas.

– Podem ir – disse aos engenheiros, que tinham apoiado a enorme porta de aço contra a parede. Sentia o princípio de uma dor de cabeça. – Ocupo-me disto mais tarde.

Agradeceu que ninguém fizesse perguntas, porque não tinha a intenção de dizer o que havia na caixa forte. Ainda não confiava nos empregados que tinham ficado no complexo depois da morte do pai. Qualquer um que trabalhasse para o pai tinha de estar desesperado ou carecer de escrúpulos. Essas opções não inspiravam confiança.

– Estão dispensados – disse aos engenheiros. – O helicóptero vai levar-vos a Taormina.

Khalis desativou o sistema de segurança e entraram no elevador que os levaria ao andar de cima. Khalis sentia tensão em todo o corpo, mas estava assim há uma semana, desde que saíra de São Francisco para ir à ilha, depois de descobrir que o pai e o irmão tinham falecido quando o helicóptero caíra.

Há quinze anos que não os via, nem tinha qualquer tipo de relação com a Empresa Tannous, o império empresarial do pai. Um império enorme, poderoso e corrupto até à medula, que Khalis herdara. Tendo em conta que o pai o repudiara publicamente, quando ele se fora embora dali com vinte e um anos, a herança fora uma surpresa.

De volta ao escritório do pai, suspirou e passou as mãos pelo cabelo. Passara uma semana a tentar familiarizar-se com os inúmeros bens do pai, para determinar até que ponto eram ilegais. A caixa forte e o seu conteúdo eram mais uma complicação.

Lá fora, o mediterrâneo brilhava como uma joia sob o sol, mas a ilha distava de ser um paraíso para Khalis. Fora o seu lar quando era criança, mas considerava-a uma prisão. Não eram os muros altos, coroados com arame fardado e vidros partidos, que o aprisionavam, mas as suas lembranças. A desilusão e desespero que lhe tinham corroído a alma, obrigando-o a fugir dali. Se fechasse os olhos, conseguia ver Jamilah na praia, com o cabelo preto despenteado pela brisa, a vê-lo a ir-se embora pela última vez, com os olhos escuros a mostrar a sua dor no coração.

«Não me deixes aqui, Khalis.»

«Voltarei. Voltarei e irei tirar-te deste lugar, Jamilah. Prometo.»

Afastou a lembrança, tal como fizera durante quinze anos. «Não olhes para trás. Não te arrependas, nem recordes.» Fizera a única escolha possível e, simplesmente, não previra as consequências.

– Khalis?

Eric fechou a porta e aguardou instruções. Em calções e t-shirt, parecia o típico jovem da Califórnia, mesmo ali, em Alhaja. Mas a sua roupa e atitude casuais escondiam uma mente afiada como uma lâmina e uma destreza informática que rivalizava com a de Khalis.

– Temos de trazer alguém para avaliar as obras de arte o quanto antes – disse Khalis. – Preferencialmente, um especialista em pintura do Renascimento.

– Estás a dizer que na caixa forte há quadros? – Eric elevou as sobrancelhas, intrigado.

– Sim. Muitos quadros. Quadros que valem milhões, suponho – deixou-se cair na cadeira, atrás da secretária, e deu uma olhadela à lista de bens que estivera a rever. Propriedades, tecnologia, finanças, política. A Empresa

Tannous punha a mão suja em todos os «bolos». Khalis voltou a pensar em como podia tomar as rédeas de uma empresa mais temida do que respeitada e transformá-la em algo honesto, algo bom.

Não podia. Nem sequer queria fazê-lo.

– Khalis? – Eric interrompeu os seus pensamentos.

– Entra em contacto com um avaliador e faz com que venha aqui. Com discrição.

– Sem problema. O que vais fazer com os quadros depois de os avaliarem?

– Livrar-me deles – Khalis sorriu com amargura. Não queria nada do pai, muito menos obras de arte valiosas, sem dúvida, roubadas. – Informar as autoridades, quando souber o que temos em mãos. Antes de chegar a Interpol e começar a farejar por todo o lado.

– Uma confusão danada, não é? – Eric assobiou.

– Isso – disse Khalis ao seu assistente e melhor amigo, – é o eufemismo do ano.

– Vou tratar da avaliação.

– Está bem. Quanto mais depressa melhor. A caixa forte está aberta e acarreta muito risco.

– Achas que alguém pode tentar roubar alguma coisa? – Eric elevou as sobrancelhas. – Para onde iriam?

– As pessoas conseguem ser matreiras e falsas – Khalis encolheu os ombros. – E não confio em ninguém.

– Este lugar magoou-te, não foi? – referiu Eric, semicerrando os olhos azuis.

– Era o meu lar – Khalis encolheu os ombros outra vez e voltou ao trabalho. Segundos depois, ouviu o ruído da porta a fechar-se.

 

 

– Um projeto especial para a Gioconda.

– Muito engraçado – Grace Turner virou-se na cadeira para olhar para David Sparling, o seu colega nos Seguros de Arte Axis e um dos maiores peritos do mundo em falsificações de Picasso. – De que se trata? – ela sorriu, calmamente, quando ele abanou um papel à frente dos seus olhos, sem tentar agarrá-lo.

– Ah, o sorriso – disse David, sorrindo também. Quando Grace começara a trabalhar na Axis, tinham-lhe dado a alcunha de La Gioconda, por causa do seu sorriso tranquilo e da sua perícia em arte renascentista. – Chegou um pedido urgente para avaliar uma coleção privada. Querem alguém perito no período do Renascimento.

– A sério? – tentou esconder a curiosidade.

– A sério – disse David, aproximando mais o papel. Não sentes nem um pouco de curiosidade, Grace?

– Não – Grace virou a cadeira para o computador e olhou para uma cópia de um Caravaggio, do século XVII. Era boa, mas não alcançaria o preço que esperara.

– Nem sequer se te disser que irás para uma ilha privada no Mediterrâneo, com todas as despesas pagas? – David riu-se.

– É normal – as coleções privadas não são fáceis de mudar. – Conheces o colecionador?

Só um punhado de pessoas no mundo tinham quadros renascentistas de valor autêntico e a maioria não queria que as seguradoras soubessem que tipo de arte havia nas suas paredes.

– Demasiado secreto para mim – David abanou a cabeça e sorriu. – O chefe quer ver-te agora.

– Porque não me disseste isso antes? – Grace cerrou os dentes e dirigiu-se para o gabinete de Michel Latour, diretor da Seguros de Arte Axis, velho amigo do pai e um dos homens mais importantes do mundo da arte.

– Querias ver-me?

Michel estava a olhar pela janela que dava para a Rue Saint Honoré, em Paris, e virou-se.

– Fecha a porta. Recebeste a mensagem?

– Avaliar uma coleção privada, com obras significativas do período renascentista – abanou a cabeça. – Não consigo pensar em mais de meia dúzia de colecionadores que encaixem nessa descrição.

– Isto é algo diferente – Michel esboçou um sorriso tenso. – Tannous.

– Tannous? – olhou para ele, boquiaberta. – Balkri Tannous? – Grace sabia que era um homem de negócios imoral e, supostamente, um colecionador obsessivo. Ninguém sabia o que constituía a sua coleção de arte. No entanto, sussurrava-se sempre o nome de Tannous quando roubavam uma peça de um museu. Um Klimt de uma galeria de Boston, um Monet do Louvre... – Espera, ele não está morto?

– Morreu na semana passada, num acidente de helicóptero – confirmou Michel. – Algo suspeito, pelos vistos. O filho pediu a avaliação.

– Pensava que o filho tinha morrido no acidente.

– Este é o outro filho.

– Achas que quer vender a coleção? – perguntou Grace.

– Não sei o que quer – Michel dirigiu-se à sua secretária, sobre a qual havia uma pasta aberta. Pegou em algumas folhas. Grace viu notas sobre vários roubos. Tannous era suspeito de todos eles, mas ninguém podia provar.

– Se quisesse vender no mercado negro não teria recorrido a nós – indicou Grace. Abundavam seguradoras que comercializavam peças roubadas, mas a Axis não jogava sujo.

– Certo – assentiu Michel. – Não me parece que queira vender no mercado negro.

– Achas que vai doar? – a voz de Grace revelava incredulidade. – A coleção inteira pode valer milhões. Talvez um bilião de dólares.

– Não me parece que ele precise de dinheiro.

– Não é uma questão de necessidade. Quem é? Nem sequer sabia que Tannous tinha outro filho.

– Não se sabe porque abandonou a casa com vinte e um anos, depois de se licenciar em Matemática, em Cambridge. Criou a sua própria empresa de informática nos Estados Unidos e não voltou.

– E a empresa dos Estados Unidos é legal?

– Parece que sim – Michel fez uma pausa. – Quer que a avaliação seja feita o quanto antes. É urgente.

– Porquê?

– É compreensível que um homem de negócios honesto queira livrar-se legalmente de obras de arte roubadas, o mais depressa possível.

– Se for honesto...

– O cinismo não te favorece, Grace – Michel abanou a cabeça com expressão compassiva.

– Também não me favoreceu a inocência.

– Sabes bem que queres ver o que há dentro da caixa forte – tentou-a Michel, num tom suave.

Grace demorou um momento a responder. Não podia negar que sentia curiosidade, mas tinha sofrido muito para não hesitar. O seu instinto dizia-lhe para resistir à tentação, em todas as suas formas.

– Pode entregar a coleção à polícia.

– Talvez o faça, depois da avaliação.

– Se for grande, pode levar meses.

– Uma avaliação detalhada sim, mas penso que só quer que um olho perito lhe dê uma opinião. Mais cedo ou mais tarde, terá de a entregar.

– Eu não gosto disto. Não sabes nada desse homem.

– Confio nele – disse Michel. – Procurou a fonte mais legítima possível para a avaliação.

Grace não disse nada. Não confiava nesse Tannous, não confiava nos homens e muito menos em magnatas ricos e, possivelmente, corruptos.

– Na verdade, quer que vás à ilha Alhaja ainda esta noite – acrescentou Michel.

– Esta noite? Porquê tanta pressa?

– Porque não? Estar a cargo daquelas obras deve ser incómodo. É fácil cair na tentação.

– Eu sei – concordou Grace, num tom suave.

– Não me referia... – desculpou-se Michel.

– Eu sei – repetiu ela. Abanou a cabeça. – Não posso fazê-lo, Michel – inspirou e o ar queimou-lhe os pulmões. – Sabes que tenho de ser cuidadosa.

– Durante quanto tempo vais continuar a viver escravizada por...?

– O tempo que for preciso – virou-se para esconder a sua expressão, a dor que não conseguia esconder, mesmo quatro anos depois. Os colegas consideravam-na fria e pouco emotiva, mas era apenas uma máscara. Só de pensar em Katerina, os seus olhos enchiam-se de lágrimas e sentia um aperto no coração.

– Oh, chérie – Michel suspirou e voltou a olhar para a pasta. – Penso que isto te faria bem. Estás a viver a tua vida como um rato de igreja ou uma freira, não sei qual deles. Talvez as duas coisas.

– Analogia interessante – Grace sorriu. – Preciso de ter uma vida tranquila. Sabes disso.

– Sei que és a avaliadora de arte renascentista com mais experiência de que disponho e preciso que vás à ilha Alhaja... Esta noite.

– Não posso – olhou para ele e viu aço nos seus olhos. Ele não ia permitir que se recusasse.

– Podes e vais fazê-lo. Mesmo que tenha sido o melhor amigo do teu pai, sou o teu chefe. Não faço favores, Grace. Nem a ti, nem a ninguém.

Ela sabia que não era verdade. Fizera-lhe um imenso favor há quatro anos, quando estava desesperada e a morrer por dentro. Ao oferecer-lhe um emprego na Axis, devolvera-lhe a vida ou aquela que podia viver, dadas as circunstâncias.

– Podias ir tu – sugeriu.

– Não conheço esse período tão bem como tu. Tens de ir, Grace.

– Se Loukas descobrir... – engoliu em seco. Sentia o coração acelerado.

– Estarás a trabalhar. Até ele te deixa fazer isso.

– Mesmo assim – torceu os dedos, nervosa. Sabia que a arte mais cara e prezada do mundo acendia a paixão das pessoas. Um grande quadro podia envenenar o desejo, transformar o amor em ódio e a beleza em fealdade. Vira-o e vivera-o, e não queria repetir a experiência.

– Será tudo muito discreto e seguro. Não há razão para saberem que estás lá.

Sozinha numa ilha, com o filho esquecido de um magnata de negócios corrupto e odiado? Grace não sabia muito de Balkri Tannous, mas conhecia a sua estirpe. Sabia como era desumano, cruel e perigoso. E não tinha razões para acreditar que o filho seria diferente.

– Haverá empregados – salientou Michel. – Não estarás sozinha com ele.

– Eu sei – e respirou fundo. – Quanto tempo terei de estar lá?

– Uma semana? Depende do que houver – ao ver que ia protestar, Michel levantou a mão. – Basta. Vais para lá, Grace. O teu avião sai dentro de três horas.

– Três horas? Mas não tenho bagagem, nem...

– Tens tempo – ele sorriu, mas a sua expressão manteve-se firme. – Não te esqueças de levar um fato de banho. O Mediterrâneo é agradável nesta época do ano. Talvez Khalis Tannous te deixe ir nadar.

Khalis Tannous. O nome causou-lhe um calafrio, não soube se de curiosidade ou de medo. Filho de um pai sem escrúpulos, escolhera, por rebeldia ou desespero, afastar-se da família com vinte e um anos. Que tipo de homem era e em que se teria transformado ao controlar um império?

– Não tenciono ir nadar – replicou. – Tenciono acabar o trabalho o mais depressa possível.

– Bom – Michel sorriu, – podias tentar divertir-te um pouco, por uma vez.

Grace abanou a cabeça. Sabia onde isso levaria, não tinha intenção de voltar a divertir-se.