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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

© 2009 Nicola Cornick. Todos os direitos reservados.

UMA PAIXÃO INESPERADA, nº 26 - Julho 2011

Título original: The Undoing of a Lady

Publicada originalmente por HQN™ Books

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

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® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

I.S.B.N.: 978-84-9000-587-3

Editor responsável: Luis Pugni

ePub: Publidisa

Inhalt

PRIMEIRA PARTE

Um

Dois

Três

Quatro

Cinco

Seis

Sete

Oito

SEGUNDA PARTE

Nove

Dez

Onze

Doze

Treze

Catorze

Quinze

TERCEIRA PARTE

Dezasseis

Dezassete

Epílogo

Promo

Para Tony, Judy e Clare, com amor

PRIMEIRA PARTE

Da sua cama de enxofre, ao amanhecer, O diabo foi passear,

Para olhar para a sua pequena quinta do mundo

E ver como estava o seu gado.

Passou uma dama orgulhosa

Em cujo rosto ele viu uma expressão

Pela qual poderia tê-la beijado;

Que criatura tão maravilhosa, fina e inteligente, Com o olhar mais pícaro de entre os pícaros.

The Devil’s Walk,

de Robert Southey, 1799

Um

O Capricho, Fortune Hall, Yorkshire.

Junho de 1810

Um pouco antes da meia-noite.

Estava uma bela noite para um sequestro.

A lua brilhava no céu estrelado. A brisa quente suspirava nas copas das árvores e agitava a fragrância dos pinheiros e da erva quente.

Lady Elizabeth Scarlet estava sentada junto da janela, a observar as sombras, à espera de ouvir os passos pelo caminho. Sabia que Nat Waterhouse viria. Acudia sempre quando ela o chamava. Como é claro, estaria incomodado. Que homem não se zangaria se tivesse de deixar a farra da sua despedida do celibato? Mas, de qualquer modo, viria. Era muito responsável e não ia ignorar o pedido de ajuda de lady Elizabeth. Ela sabia exactamente como ia responder. Conhecia-o tão bem...

Tamborilou com os dedos, com impaciência, no parapeito da janela. Observou o relógio que tirara um pouco antes ao seu irmão. Parecia que estava à espera há horas, mas, na verdade, surpreendeu-a verificar que só tinham passado oito minutos desde a última vez que olhara para o relógio. Estava nervosa, algo que estranhava. Sabia que Nat estaria zangado, mas estava a agir para o bem dele. Aquele casamento não devia celebrar-se. Ele agradecer-lhe-ia um dia.

Do outro lado do prado, ouviu o tangido distante dos sinos. Meia-noite. Houve um som de passos no caminho. Ele chegava pontualmente. Era de esperar.

Ela manteve-se em silêncio enquanto ele abria a porta do edifício. Ela deixara o corredor às escuras, mas havia uma vela acesa no quarto do andar de cima. Se tivesse calculado bem as coisas, ele subiria pela escada de caracol e entraria no quarto, pelo que ela teria tempo suficiente para trancar a porta e esconder a chave. Não havia mais nenhuma saída. O seu meio-irmão, sir Montague Fortune, mandara construir aquele «capricho» à imagem de um forte em miniatura, com seteiras e janelas muito pequenas pelas quais não cabia um homem. Parecera-lhe muito divertido. Aquela era a ideia de entretenimento de Monty. Aquilo e inventar novos impostos com os quais atormentar a população de Fortune’s Folly.

– Lizzie!

Ela sobressaltou-se. Nat estava à saída da sala dos guardas. O seu tom era de impaciência. Ela conteve a respiração.

– Lizzie? Onde estás?

Subiu as escadas de dois em dois degraus e ela aproveitou para se escapulir da sala e trancar a porta pesada de carvalho. Tremiam-lhe os dedos e escorregaram-lhe pelo ferro gelado. Sabia que a sua amiga Alice Vickery lhe diria que aquela era outra das suas ideias descabidas, mas já era demasiado tarde. Não podia permitir-se pensar naquilo ou perderia a coragem. Voltou a correr para a sala dos guardas e enfiou a mão numa das seteiras. Havia um prego na parede exterior. A chave tilintou suavemente contra a pedra. Já estava feito. Nat não conseguiria escapar dali, a menos que ela o permitisse. Lizzie sorriu de satisfação. Sabia que não era necessário envolver mais ninguém naquele plano. Ela era muito capaz de raptar alguém sem ajuda. Era fácil.

Saiu para o hall e viu Nat no cimo da escada, com a vela na mão. A luz projectava a sua sombra. Ele parecia enorme, ameaçador e muito zangado.

Na verdade, era enorme e ameaçador, e estava zangado, mas ela sabia que nunca lhe faria mal. Sabia exactamente como ia comportar-se. Conhecia-o como se fosse seu irmão.

– Lizzie? O que raios se passa?

Além disso, estava bêbedo. Não suficientemente bêbedo para estar incapacitado, mas o suficiente para utilizar uma linguagem inapropriada diante de uma dama, o que Nat nunca faria em circunstâncias normais. Mas, se ela fosse casar-se com a menina Flora Minchin na manhã seguinte, também utilizaria uma linguagem rude. E ter-se-ia embebedado até perder os sentidos. O que confirmava que fizera o correcto, porque Nat não podia casar-se com a menina Minchin. Nem na manhã seguinte, nem nunca. Ela estava ali para o salvar.

– Boa noite, Nat – disse, alegremente, e viu que ele franzia o sobrolho. – Espero que te tenhas divertido na tua última noite de liberdade.

– Poupa-me as cortesias, Lizzie – disse Nat. – Não estou com humor para isso. O que era tão urgente para que tivesses de falar comigo em segredo na noite anterior ao meu casamento?

Lizzie não respondeu imediatamente. Apanhou a saia com uma mão e subiu os degraus de pedra, sentindo o olhar de Nat no seu rosto, embora não estivesse a olhar para ele. Ele afastou-se para lhe ceder passagem para o quarto da torre. Quando estava no meio do tapete, virou-se para ele. Agora que o via bem, apercebeu-se de que tinha o cabelo preto despenteado e que usava uma roupa tão elegante como de costume, mas muito amarrotada. Usava o casaco aberto e o lenço do pescoço afrouxado. Tinha uma barba incipiente e cheirava a tabaco e a álcool. Brilhavam-lhe os olhos de impaciência e irritação.

– Estou à espera – disse.

Lizzie abriu as mãos num gesto de inocência.

– Pedi-te que viesses para tentar convencer-te a não te casares. Sabes que te fartarás dela em cinco minutos, Nat. Melhor dizendo – corrigiu-se, – já estás farto, não estás? E ainda nem sequer te casaste. Além disso, ela não te importa nada. Estás a cometer um grande erro.

Nat apertou os lábios e passou a mão pelo cabelo.

– Lizzie, já falámos sobre isto...

– Eu sei – disse ela, com o coração na boca. – Foi por isso que tive de fazer isto, Nat. É para o teu próprio bem.

– Mas fazer o quê? – perguntou ele. – Fazer o quê, Lizzie?

– Estás trancado – respondeu Lizzie rapidamente. – Prometo-te que te libertarei amanhã, quando tiver passado a hora do casamento. Duvido que Flora ou os seus pais te perdoem por a deixares plantada no altar.

Ela nunca pensara que o conde de Waterhouse fosse um homem que mostrasse os seus sentimentos. Sempre pensara que tinha uma boa cara para os jogos de azar, porque não revelava nada. No entanto, naquele momento era fácil saber o que estava a passar-lhe pela cabeça. A sua primeira reacção foi de estupor. Depois, de certeza. Nem sequer questionou a verdade do que lhe dissera.

– Lizzie – disse-lhe, – sua bruxa...

Virou-se e desceu rapidamente pela escada de caracol, pegando antes na vela e deixando Lizzie às escuras, salvo pela luz ténue da Lua, que entrava pelas seteiras. Lizzie exalou um suspiro longo, trémulo. Só teve um segundo para recuperar a compostura, porque ele verificou rapidamente que a porta da torre estava trancada e que não havia mais nenhuma saída. Quando voltou para o quarto, tinha um aspecto furioso. Tremia-lhe um dos músculos da face e todos os músculos do seu corpo estavam rígidos de raiva.

Quando falou, a sua voz foi enganadoramente suave.

Foi mais desconcertante para Lizzie do que se tivesse gritado.

– Porque estás a fazer isto, Lizzie?

– Já te disse – respondeu ela em tom desafiante, embora estivesse a tremer. – Vou salvar-te de ti mesmo.

Ele soltou uma gargalhada seca.

– Não. Estás a negar-me a oportunidade de receber as cinquenta mil libras de que preciso tão desesperadamente. Sabes como isto é importante para mim, Lizzie.

– Não vale a pena em troca de uma vida inteira de tédio.

– A escolha é minha.

– Escolheste mal. Eu estou aqui para te salvar. Tu sempre te preocupaste comigo e tentaste proteger-me. Agora é a minha vez. Estou a fazer isto porque és meu amigo e porque me preocupo contigo.

Pelo olhar de desprezo de Nat, Lizzie apercebeu-se de que ele não acreditava nela. Ela também se zangou naquele momento. Sempre tivera um temperamento forte, talvez beligerante, dependendo da opinião de quem estivesse a pensar nela. Parecia-lhe totalmente injusto que Nat a julgasse assim quando só queria o melhor para ele.

Deveria estar a agradecer-lhe por o ter salvado daquele casamento horrível.

Nat deixou a vela sobre uma mesa de madeira que havia junto da porta e deu um passo para ela. Era muito alto, media mais de um metro e oitenta, e tinha um corpo largo e musculado. Lizzie tentou não se sentir intimidada, mas fracassou.

– Dá-me a chave, Lizzie – disse-lhe ele, com cortesia.

– Não – respondeu ela e engoliu em seco.

Ele aproximara-se muito e a sua presença física era muito poderosa, em total contradição com o seu tom de voz. No entanto, ela não tinha medo de Nat. Conheciam-se há mais de nove anos e nunca lhe dera motivos para o recear.

– Onde está?

– Escondida.

Nat suspirou com exasperação.

– Isto não é um jogo, Lizzie – disse. – O que estás a fazer é perigoso. Trancaste-te aqui comigo, a sós. Isto é uma tentativa ridícula de me comprometeres para que me veja obrigado a casar-me contigo em vez de com Flora?

O aborrecimento de Lizzie aumentou. Estava a começar a sentir-se verdadeiramente zangada, para além de inquieta.

– Que presunçoso! Eu não quero casar-me contigo! Preferia que me cortassem as orelhas!

O sorriso de Nat não foi agradável.

– Não acredito. Comprometeste-te deliberadamente ao nos trancares juntos.

– Tolices! – exclamou Lizzie. – Não vou contá-lo a ninguém. Só quero que estejas aqui até que seja demasiado tarde para que se celebre o casamento e, depois, libertar-te-ei.

– Muito bonito! Primeiro, destróis o meu futuro e, depois, vais-te embora para que enfrente sozinho a situação.

– Oh, não sejas tão melodramático! Para começar, não deverias ter-te transformado num caçador de fortunas. Não é digno de ti!

– Isto dito por uma mulher com cinquenta mil libras e uma atitude prepotente! Tu não sabes nada de nada.

– Eu sei tudo sobre ti! – respondeu Lizzie. – Conheço-te há nove anos e importas-me...

– Tu não estás a fazer isto por generosidade. Estás a fazê-lo porque és egoísta, caprichosa e imatura, e não desejas que haja outra mulher com mais direitos do que tu sobre mim. Queres ter-me só para ti.

Lizzie ficou boquiaberta.

– És um idiota arrogante!

– E tu és uma menina mimada. Tens de crescer. Já o penso há muito tempo.

Olharam-se fixamente, enquanto a tensão vibrava no ambiente e a chama da vela tremia como se respondesse a algo perigoso que houvesse no ar.

Lizzie sentiu-se ofendida, mas cauterizou a dor com o calor da sua raiva.

– Quando é que fui caprichosa e imatura? – inquiriu.

Nat desatou a rir-se. As suas gargalhadas foram tão ásperas que arranharam a alma de Lizzie.

– Por onde começo? Só te interessam as tuas opiniões e as tuas preocupações. Pavoneaste-te descaradamente na sala de baile no dia do anúncio do meu noivado com Flora e isso foi apenas para desviar todas as atenções dela. Tentas seduzir todos os homens. Durante meses, mantiveste Lowell Lister e John Jerrold à tua volta, quando apenas serviam para alimentar a tua vaidade. E falando da tua falta de consideração pelos outros, compraste algumas das posses mais prezadas de Miles Vickery no leilão do castelo de Drum e não tiveste a generosidade de lhas devolver.

Lizzie tapou os ouvidos. Nat agarrou-a pelos pulsos e afastou-lhe as mãos das orelhas.

– Querias saber – disse, com dureza. – Sabia que não serias capaz de enfrentar a verdade.

Largou-a como se não suportasse tocar-lhe e afastaram-se. Os dois estavam a ofegar. Lizzie sentia-se como se a tivesse esfolado com aquelas palavras. Tinha os olhos cheios de lágrimas. Pestanejou para as fazer desaparecer.

Depois de um instante, Nat passou a mão pelo cabelo e fez um esforço para se manter calmo.

– Dá-me a chave e esquecerei que isto aconteceu – disse a Lizzie.

– Não – disse Lizzie e cruzou os braços. – Não a tenho.

De repente, Nat percorreu-a com o olhar, com uma insolência inesperada e horrível.

– Suponho que a tenhas contigo.

– Não, claro que não!

Lizzie ficara estupefacta, tanto pelo tom de voz como pela forma de a observar, como se fosse uma prostituta de Covent Garden que exibisse os seus encantos. Sentiu-se humilhada e pensou que devia estar pálida. E, no entanto, havia alguma coisa no seu interior, alguma coisa horrenda e primitiva, que gostava daquilo.

O sangue ferveu-lhe nas veias e o calor percorreu-lhe o corpo das faces até aos dedos dos pés.

Nat agarrou-a tão depressa que ela nem sequer o viu a mexer-se. Passou-lhe as mãos pelo corpo, procurando, revistando. Lizzie sentiu um arrepio.

O calor intensificou-se. Ela contorceu-se entre as mãos dele, protestando perante a humilhação de a agarrar daquele modo e da resposta do seu corpo.

– Larga-me! Disse-te que não a tinha!

– Mas sabes onde está – disse ele e largou-a, com a respiração entrecortada.

Nos seus olhos havia um brilho feroz, diferente. Ela pôs-se a tremer ao recordar que Nat se dedicava a perseguir criminosos de forma desumana e fria no seu trabalho.

Lizzie não pensava naquilo porque era uma parte da vida de Nat que quase não via, mas pensou naquilo naquele momento porque pôde sentir a sua raiva e o seu desespero.

Recordou que dissera que precisava das cinquenta mil libras de Flora Minchin. Sabia que ele queria restaurar Water House e sustentar a sua família. Os seus pais já eram idosos e a sua irmã Celeste era inválida, mas recentemente surgira uma urgência acrescentada nas suas acções, como se tivesse acontecido alguma coisa que o apressasse na sua busca de dinheiro. Ela não sabia o que era, nunca lhe tinha perguntado. Talvez Nat tivesse razão e estivesse sempre demasiado preocupada consigo mesma. Aquela ideia inquietou-a.

Olhou para Nat em busca do amigo que conhecia, mas só viu um estranho.

Sentiu uma angústia tão grande que esteve prestes a capitular e Nat apercebeu-se.

– Muito bem, Lizzie. Comporta-te como uma adulta por uma vez na vida. Vai buscar a chave.

O desprezo da sua voz foi o que a decidiu. Imaginava-o a contar o plano dela aos seus amigos Dexter Anstruther e Miles Vickery, como pensara em impedir o seu casamento porque era jovem, imatura e caprichosa, e porque estava interessada nele em segredo. Sentiu-se humilhada. Aquilo não era verdade. Ela quisera salvá-lo e ele escarnecia dela. Por isso, fá-lo-ia pagar. A necessidade de o fazer sofrer como ela estava a sofrer ardia-lhe no peito.

Endireitou os ombros e olhou para ele nos olhos.

– Não. Não vou a lado nenhum, nem tu. Virou-se e afastou-se dele.

– Estás louca – disse Nat, com fúria, deixando de lado toda a cortesia.

– E tu és grosseiro, arrogante e presunçoso se pensas que estou apaixonada por ti.

– E não estás?

– É claro que não! Detesto-te. Sobretudo agora, depois do que disseste de mim. Achas que isto é uma das leis medievais estúpidas de Monty? O direito de pernada? Não achas que te raptei para te levar para a horta na noite anterior ao teu casamento, pois não?

– Tu não terias a coragem de fazer algo parecido – disse Nat, com arrogância. – Vá lá, Lizzie, admite... Isto não passa de mais um dos teus joguinhos infantis, mas foste demasiado longe.

Os seus olhares encontraram-se. O ar que havia entre eles era quente, pesado, tenso. Lizzie pôs-lhe uma mão sobre o braço.

– Achas que não conseguiria seduzir-te, Nat Waterhouse?

– Não sejas absurda – respondeu ele, com a voz rouca.

Lizzie colocou-se em bicos de pés e beijou-o inexperientemente nos lábios. Ele permaneceu impávido, embora Lizzie soubesse que não era indiferente a ela. Sentia o conflito nele porque o corpo estava muito tenso, rígido como uma vara, mas estava a conter a reacção com um controlo férreo. Ela mexeu os lábios contra os dele, desejando que Nat respondesse, que a abraçasse e a beijasse. Isso demonstraria que ela tinha vencido. No entanto, ele continuou imóvel e Lizzie estava a começar a sentir-se estúpida, em bicos de pés, a beijá-lo, enquanto ele parecia com uma estátua de mármore. Nat queria envergonhá-la e estava a consegui-lo. Talvez não soubesse beijar. Na verdade, não tinha a certeza. Já fora beijada por vários homens, mas em todas as vezes fora uma experiência decepcionante para ela, embora talvez tivesse sido assim porque as suas expectativas eram demasiado altas ou porque os seus pretendentes eram demasiado incompetentes.

Afastou-se um pouco e olhou para Nat com os olhos semicerrados. Apesar da sua inexperiência, algo instintivo disse-lhe que não estava a ser-lhe fácil conter-se. Tinha a respiração acelerada e pulsava-lhe uma veia na têmpora.

O facto de saber que o afectava produziu-lhe uma sensação embriagadora, como se tivesse bebido demasiado vinho. A emoção do perigo apagou a dor das palavras amargas que tinham dito um ao outro.

– Já acabaste? – perguntou-lhe Nat, desdenhosamente. Portanto, ele queria que se sentisse ingénua e humilhada. A raiva e o desespero apoderaram-se dela. Não permitiria que ele ganhasse. Sabia que tinha muito menos controlo sobre a situação do que queria aparentar.

– Não – respondeu, bruscamente. – Não acabei.

Aproximou-se novamente dele, tanto que sentiu o calor que o seu corpo emanava. Olhou para ele. O seu rosto tinha uma expressão dura e inflexível. O que era preciso para chegar até ele? Não precisava de ir demasiado longe, apenas o suficiente para que Nat admitisse que se enganara ao subestimá-la. Ela não era uma menina e não permitiria que a tratasse como tal. Pousou a mão no seu peito e sentiu os batimentos do seu coração.

Lady Ainsworth foi tua amante, não foi? – sussurrou-lhe ao ouvido e desceu a mão pela sua camisa para lha tirar da cintura das calças. – Ouvi duas criadas a falarem disso. Descobriram pela criada dela que és muito bem dotado. Enorme, conforme disseram. Provocou-me uma curiosidade muito grande sobre ti...

Nat tremeu.

– Lizzie, já chega – disse. O seu tom era violento. – Não entendes o que estás a fazer.

– Oh, claro que sim... – disse Lizzie. – Não sou uma menina.

Tirou-lhe a camisa e deslizou as palmas das mãos pelo seu estômago. Era suave, delicioso. Aquela sensação distraiu-a durante um instante. Ela não fazia ideia... Ouviu o seu suspiro e reparou que os seus músculos se contraíam e tremiam sob os dedos dela. Finalmente, uma reacção... Encorajada, virou a cara para o seu pescoço e apertou os lábios contra a pele do pescoço. Ele sabia a sal, a calor, cheirava a perfume de bergamota e a couro, e a algo que Lizzie reconheceu como a essência de Nat. Era-lhe familiar e, ao mesmo tempo, intensamente excitante.

Ele virou ligeiramente a cabeça e os seus lábios ficaram a poucos centímetros. Lizzie apercebeu-se de que estavam muito perto do precipício. Passou-lhe as mãos pelas costas e deleitou-se com a dureza dos seus músculos. Cravou-lhe as unhas na pele e sentiu que ele estremecia.

– Lizzie, pelo amor de Deus...

Lizzie gostou do tom de desespero. Pensar que o tinha trazido até ali acalmou os seus sentimentos feridos. Sabia que podia parar naquele momento, afastar-se, mas deixou que uma das suas mãos descesse até às calças dele e um pouco mais abaixo. Estava ébria, talvez um pouco louca. Roçou-lhe com a mão a parte da frente das calças, desenhando a erecção. Aquele vulto duro e enorme espantou-a. Ouviu que Nat ofegava e praguejava com dureza, parou e recuou. Toda a sua raiva e paixão gelaram ao dar-se conta de que tinha ido demasiado longe. A valentia e o medo lutavam no seu interior, mas sob a sua apreensão havia uma corrente de curiosidade feminina tão poderosa que lhe cortou a respiração e acelerou o coração.

Olharam-se durante algum tempo e Nat agarrou-a, mexendo-se tão depressa que Lizzie nem sequer teve tempo para se dar conta. Beijou-a com aspereza. Estava claro que os outros homens não tinham sabido beijá-la e, claramente, Nat sim. Foi o último pensamento coerente de Lizzie antes de se perder numa onda de sensações tão violentas que esteve prestes a cair.

Não havia amor no beijo, nem sequer prazer, mas luxúria e raiva. A pressão dos lábios de Nat obrigou-a a abrir os seus e, então, ele deslizou a língua pela sua boca sem piedade, sem consideração ou gentileza. Lizzie não sabia se queria castigá-la e não lhe importava, porque, de repente, queria tudo o que ele pudesse dar-lhe. Estava sem fôlego. Afundou uma mão no cabelo de Nat para manter a boca dele sobre a dela e mordiscou-lhe o lábio inferior, e reparou que ele se afastava antes de voltar a possuir-lhe a boca. Ela sentiu os lábios inchados. O calor concentrou-se na sua barriga e ela esfregou-se contra a erecção. Nat soltou um som, algo muito parecido com um gemido.

Pôs-lhe as mãos nos ombros e abriu-lhe o vestido de montar e a camisa, deixando-a nua até à cintura. Os laços rasgaram-se e os colchetes saltaram e caíram ao chão. Ele pôs a mão sobre um dos seus seios nus e Lizzie começou a sentir-se nauseada. Ouviu um gemido e soube que era dele. Nat sentou-a no parapeito da janela e colocou a boca sobre o seu seio. Lizzie sentiu-lhe os dentes e a língua na pele, e gritou. O som ricocheteou pelas paredes do quarto. O seu corpo estava a tremer com uma necessidade que ameaçava consumi-la. Sentia-se espantada e excitada ao mesmo tempo, e tão desesperadamente atrevida que esteve prestes a gritar de prazer.

Nat subiu-lhe a saia do vestido e ela aproximou a mão do botão das calças dele, e as suas mãos chocaram. Ambos estavam a tremer. As calças abriram-se e ela sentiu-o quente e duro sob a mão, e ofegou de pura perplexidade. Então, Nat cobriu-lhe rudemente a boca com a dele e afastou-lhe as pernas. Lizzie sentiu-o no meio do seu corpo e, num segundo, ele penetrou-a. A dor foi aguda e violenta. Lizzie ofegou, mas Nat não parou.

Ela estava agarrada à ombreira da janela e ele mexia-se para trás e para a frente. Lizzie sentia a pedra fria contra as costas nuas, mas a fricção do corpo de Nat era furiosa e quente entre as suas coxas e a sensação era demasiado arrebatadora e insistente para escapar. A dor desapareceu e Lizzie começou a sentir tremores de prazer, cada vez mais rápidos, deliciosamente intensos. Gritou enquanto o seu corpo se derretia com um prazer arrasador. Ouviu Nat a ofegar, reparou que a agarrava cada vez com mais força e que a penetrava cada vez mais profundamente, e sentiu que ele se libertava completamente dentro dela.

Houve silêncio, um momento no qual pareceu que o tempo ficava suspenso, durante o qual Lizzie não conseguiu respirar nem pensar, nem sentir outra coisa que não fosse aquela perfeição. Era celestial. O seu corpo estava satisfeito e a sua mente estava cheia de felicidade, como se finalmente tivesse chegado a casa e estivesse em paz. Porque Nat dissera a verdade: ela queria-o. Naquele momento, viu-o com clareza, porque, ao fazerem amor, todo o seu orgulho e fingimento tinham desaparecido. Nat era seu e sempre tinha sido, e, agora, ela era realmente dele.

Nat também a queria, porque era assim que deviam ser as coisas.

Lizzie abriu os olhos e pestanejou. A luz da vela pareceu-lhe demasiado intensa e brilhante. Nat afastara-se dela. Virara-se e estava a compor a roupa. A cara dele estava entre as sombras. Lizzie esperou que ele falasse, que lhe dissesse que a amava. Então, de repente, ele virou-se e o coração acelerou-lhe de impaciência pelas palavras que ia ouvir e pelo amor que ia ver-lhe nos olhos. Quando lhe viu o semblante só viu desconcerto, incredulidade e horror.

– Lizzie... – sussurrou Nat, com a voz trémula.

Lizzie ficou gelada. Alguma coisa morreu no seu interior, desfez-se como as pétalas que caíam das flores murchas.

Nat não a amava. Nunca a amara.

Ela via-o na consternação dos seus olhos.

Desceu a saia, compôs o que restava do corpete e tentou endireitar-se. Tremiam-lhe as pernas e esteve prestes a cair. Aquela fraqueza horrorizou-a. Nat dirigia-se para ela e Lizzie sentiu pânico. Não conseguia falar com ele. Não conseguia olhar para ele. Estava demasiado envergonhada, as suas emoções estavam expostas, a sua alma estava despida diante dele, como estivera o seu corpo.

Tinha de sair dali. Tinha de fugir dali antes que ele adivinhasse a verdade dos seus sentimentos, antes que a expressasse com palavras e tornasse a sua humilhação insuportável.

Empurrou a mesa para lhe impedir a passagem e a vela caiu. Lizzie pôs-se a correr escada abaixo, palpando a parede curva para não cair na escuridão. Ouviu Nat a praguejar e viu uma labareda atrás dela, porque as cortinas das janelas se tinham incendiado com a vela, e, então, chegou ao quarto dos guardas e procurou a chave. Durante um segundo não a encontrou e o pânico tornou-se insuportável. Ouvia como Nat batia nas chamas para as apagar e esperava que isso lhe desse alguns quantos segundos de vantagem. A porta... Teve a sensação de que demorava horas a abri-la, porque a chave lhe escorregava entre os dedos gelados e trémulos, e, finalmente, conseguiu sair para a noite, justamente quando ouvia os passos de Nat pelas escadas atrás dela e sentia o cheiro a fumo no ar.

O bosque engoliu-a. Estava escuro e era profundo, e escondia-a. Aquilo reconfortou-a. Ouvia Nat a chamá-la, com um tom de medo na voz, para além de raiva, mas o som desvaneceu-se à medida que ele se afastava. Lizzie sentiu-se aliviada. Já não a encontraria. Só a encontraria quando ela estivesse pronta para que a encontrasse. Não precisava da ajuda de ninguém. Poderia recompor-se sozinha e fingir que nada daquilo acontecera.

Nat não a amava. Nunca a tinha amado. Cometera um erro terrível.

Todos aqueles pensamentos encheram a mente de Lizzie, escuros e ameaçadores como os monstros de um pesadelo. Ela afastou-os. Tinha de esquecer o que acontecera. E, agora, Nat era livre e poderia ir ao casamento. Poderia casar-se com Flora, tal como quisera fazer, e apoderar-se da fortuna dela, e nenhum dos dois voltaria a falar sobre aquela noite.

Salvo que Nat nunca fora muito bom a fingir. Lizzie costumava dizer-lhe que era porque não tinha imaginação, mas, na verdade, Nat tinha o hábito de enfrentar os seus fantasmas e de fazer com que ela também enfrentasse os dela.

«Desta vez, não.»

– Não aconteceu nada – disse Lizzie. Alisou o corpete e questionou-se porque é que lhe tremiam os dedos. – Não aconteceu absolutamente nada.

Dois

Nat Waterhouse estava à frente de Fortune Hall, a olhar para a janela do quarto de Lizzie. O que faria Lizzie agora? Fugiria? Esconder-se-ia? Para onde iria? Ele deveria saber a resposta a todas aquelas perguntas. Conhecia lady Elizabeth Scarlet há nove anos, desde que ela tinha onze anos e ele não passava de um jovem de dezoito anos. Vira-a a crescer, a transformar-se numa mulher. Pensava que sabia tudo sobre ela. Estava tão enganado!

O que raios fizera? Era uma pergunta inútil. Nat sabia perfeitamente o que fizera. Tinha seduzido uma mulher que não era a sua noiva, na noite anterior do seu casamento. Tinha acabado com um ano de celibato ao fazer amor com a única mulher na qual jamais deveria ter tocado.

Tinha desonrado uma virgem.

Fora demasiado fraco e não conseguira resistir.

E, naquele momento, devia enfrentar a situação atroz.

Lizzie. Bolas! Não a amava. Nem sequer sentira muita simpatia por ela durante aqueles últimos meses. Tinham sido muito amigos, mas, recentemente, Lizzie começara a persegui-lo, tentando convencê-lo a não se casar com Flora, provocando-o, usando-o, assumindo que cumpriria sempre as vontades dela. Ele já estava muito incomodado com ela antes de receber o bilhete naquela noite. Estivera prestes a ignorar a chamada dela e só fora lá devido àquele maldito sentido de responsabilidade que sentia por ela. Oxalá não o tivesse feito!

Sentia um arrependimento doloroso. Não fazia sentido. Já estava feito. Lizzie tinha-o provocado além do suportável, mas não ia culpá-la.

A verdade era que ela não poderia tê-lo obrigado a fazer algo que ele não quisesse e ele quisera fazer amor com ela. Sentira-se desesperado por fazer amor com ela. Ainda se sentia. Horrorizava-o o facto de que, estando envolvido numa confusão tão terrível, só conseguisse pensar na pele linda, branca e sedosa de Lizzie, no seu toque, no seu corpo insuportavelmente quente à volta do dele, no prazer embriagador de a possuir. Ele não era um santo no que dizia respeito às mulheres, mas também não era um mulherengo. E Lizzie era a última mulher do mundo que imaginava que poderia desejar. Como poderia desejá-la, se sempre pensara que tinha de a proteger? Desde que a tinha conhecido, tentara compensá-la pelo facto de que os dois homens que deviam cuidar dela, os seus meios-irmãos Montague e Tom Fortune, serem respectivamente um idiota irresponsável e um folgazão perigoso.

Ele era pior do que eles.

Bolas!

O sino da igreja da vila deu a uma hora. Tinha passado menos de uma hora desde que a sua vida mudara por completo.

Onde estava Lizzie? Tinha de saber se estava bem... Tinha de falar com ela...

Olhou novamente para as janelas escuras de Fortune Hall. Poderia acordar a casa inteira e mandar que todos a procurassem. No entanto, isso provocaria um escândalo. E se descobrissem que ela tinha desaparecido, ainda pior. Se se espalhasse o rumor de que ela não estava a dormir na sua cama a meio da noite, todos se perguntariam em que cama estava. A sua reputação ficaria destruída.

Nat soltou uma gargalhada de amargura. Reputação? Lizzie estava desonrada. E se tivesse ficado grávida...

Gelou-lhe o sangue nas veias. Não podia deixar que enfrentasse tudo aquilo sozinha. Nunca a tinha abandonado e também não o faria daquela vez. Pela primeira vez, pensou no seu casamento por conveniência com Flora Minchin. Deveria ter pensado nele antes, mas a sua preocupação com Lizzie afastara tudo o resto. Aquele casamento era a solução perfeita para todos os seus problemas financeiros. E a menina Flora Minchin seria uma esposa perfeita, refinada e dócil. Ele nunca tivera o mínimo desejo de lhe tirar a roupa e de fazer amor com ela, mas Flora era rica, muito rica, e ele precisava desesperadamente do dinheiro. Estava numa encruzilhada. Havia gente que dependia dele, os seus pais, a sua irmã Celeste... Não conseguia pensar no que aconteceria a Celeste se ele falhasse. Nunca pensara que era o tipo de pessoa que sucumbiria a uma chantagem e, no entanto, quando estavam em jogo a vida, o futuro e o bom nome da sua irmã mais nova nem sequer hesitara. Sabia que não podia hesitar. Era sua responsabilidade proteger quem dependia dele. Portanto, precisava de uma fortuna...

Lizzie também era rica.

Ao pensar nisso, sentiu alívio.

Tinha de se casar com Lizzie.

Era a solução perfeita. Isso resolveria a situação. Salvaria a reputação de Lizzie e resolveria a sua situação financeira.

Lizzie seria uma esposa terrível.

Lizzie tinha o diabo no corpo desde criança. Talvez porque fora uma menina travessa, com uma mãe negligente que fugira com um criado e com um pai que a mimara como um animal de estimação durante metade do tempo e que se esquecera dela durante a outra metade. E quando o seu pai morrera e viera para Fortune Hall, aos onze anos, viver com os seus meios-irmãos, as coisas não tinham melhorado.

Nenhum dos seus irmãos tinha interesse nela. Monty Fortune tinha contratado uma tutora para que a educasse, mas Lizzie pusera ratos na cama da mulher e ela partira. Nenhuma das sucessoras permanecera muito tempo ali, alegando que Lizzie era rebelde, indisciplinada e descontrolada, algo que Tom Fortune, em particular, incitara.

Nat ainda recordava o dia em que conhecera Lizzie. Ele era colega de universidade de Tom e tinha vindo a Fortune’s Folly como convidado. Conhecera então uma menina rebelde, com um vestido branco muito sujo, o cabelo avermelhado despenteado e uns olhos verdes enormes, que subia às árvores como um esquilo. Lizzie caíra de um carvalho e Tom desatara a rir-se. Nat oferecera-lhe ajuda e tudo começara assim, com Nat a tratar-lhe dos arranhões e a salvá-las das confusões em que se metia, porque nem Monty nem Tom se importavam minimamente.

No entanto, aquilo... Aquilo era mais do que um arranhão. Era uma desgraça. Como é claro, Lizzie seria uma esposa difícil, intratável, obstinada, a condessa menos adequada, e, com o passar do tempo, a duquesa menos correcta de todo o reino. Casar-se com ela seria entrar num inferno. No entanto, o inferno era precisamente o lugar para onde se dirigia. Sabia que não tinha escapatória.

Lizzie tinha entrado no seu quarto pela janela, escalando pela hera, agarrando-se às pedras de Fortune Hall. Tinha entrado e saído assim do seu quarto muitas vezes, indo e vindo sempre que queria, evitando a disciplina das suas tutoras, aproveitando o facto de os seus irmãos ignorarem por completo as suas aventuras. Naquela noite, Monty ainda estava acordado. Ao passar junto da janela, tinha-o visto a beber sozinho na biblioteca. Não havia sinal do seu outro irmão, Tom, embora a presença de outro copo junto do de Monty na mesa sugerisse que tivera a companhia de outra pessoa pouco antes. Os meios-irmãos de Lizzie tinham resolvido a sua disputa agora que Tom já não andava fugido. Monty tinha esquecido convenientemente que tinha repudiado o irmão e Tom perdoara-lhe, aparentemente.

Lizzie pensava que a aproximação deles era apenas por uma questão de necessidade, porque ninguém da vila de Fortune’s Folly estava disposto a dirigir-lhes a palavra. Todos odiavam Monty pela falta de escrúpulos e pela ambição, porque tinha aplicado uma série de impostos medievais para depenar as pessoas, mas as pessoas odiavam muito mais Tom por ter seduzido sem piedade, e depois abandonado, Lydia Cole.

Lizzie não teria voltado a pôr os pés na casa do seu irmão se Monty não tivesse ameaçado tomar medidas legais contra qualquer pessoa que a acolhesse. No entanto, não se encarregara de lhe arranjar uma dama de companhia, de maneira que não havia ninguém a quem Lizzie tivesse de dar explicações por noites como aquela. «Ou melhor», pensou Lizzie, «não importa a ninguém o que faço».

Precisava de tomar banho. Sentia o corpo dorido e o coração também. A roupa e o cabelo cheiravam a fumo, e também sentia a essência de Nat no seu corpo, como uma marca indelével, embora talvez fosse apenas imaginação sua. Não queria lembrar como era tê-lo dentro dela. Tremeu e fechou os olhos.

Tanta paixão... Tanto prazer... Tinha pensado que ia morrer de tanto prazer. Nunca imaginara. Sentira-se como se lhe derretesse o corpo, líquido como o mel, de satisfação e plenitude.

Também sentira prazer na alma, mas desaparecera rapidamente ao ver a expressão do rosto de Nat. Afastou a imagem da mente para tentar mitigar a dor que sentia. Não devia pensar naquilo. Tinha acabado. Era o seu segredo e acabaria assim.

Tirou a roupa rasgada e escondeu-a debaixo de uma pilha de lençóis na arca da roupa branca, para que a sua criada não suspeitasse de nada. Quando pudesse, tirá-la-ia da casa e queimá-la-ia, e veria como as lembranças ficavam reduzidas a cinzas e a fumo. Nat já estaria casado então e teria partido de Fortune’s Folly com a esposa flamejante.

Viu-se ao espelho e começou a lavar-se com água fria no lavabo. Passou a esponja pelo pescoço, pelos ombros, pela curva dos braços. Ao chegar às pernas, descobriu uma mancha de sangue no interior das coxas. Esfregou-a com vigor. Tinha perdido a virgindade; aquela era a prova. Um futuro marido, sem cara e sem nome por enquanto, ficaria furioso com ela pela sua falta de castidade. A maioria dos homens era odiosamente hipócrita naquele sentido. Lizzie apercebeu-se de que não lhe importava nada. Talvez devesse importar-lhe, mas nunca fora capaz de se imaginar casada. O casamento requeria capacidade de compromisso e maturidade, e ela tinha consciência de que não possuía nenhuma das duas coisas. Na verdade, não queria possuí-las. Agora, a possibilidade do casamento parecia-lhe mais distante do que a Lua.