Editado por Harlequin Ibérica.
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Da vergonha ao amor, n.º 1815 - março 2020
Título original: Sicilian’s Baby of Shame
Publicado originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd
Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.
Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.
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I.S.B.N.: 978-84-1328-984-7
Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.
Créditos
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Epílogo
Se gostou deste livro…
Bastiano Conti tinha nascido com fome de viver e originara logo um problema. A sua mãe morrera ao dar à luz sem revelar quem era o seu pai. A única coisa que lhe tinha deixado era um anel. Era de ouro italiano com uma pequena esmeralda no centro e algumas pérolas à volta.
O tio de Bastiano, que tinha quatro filhos, propusera inicialmente que as freiras tomassem conta do pequeno órfão que ficara a chorar na maternidade do vale de Casta. Havia um convento que se erguia sobre o estreito da Sicília e, normalmente, era ali que os órfãos acabavam. Porém, o convento estava a abarrotar. Ainda assim, de vez em quando uma freira compadecia-se e ficava com Bastiano ao colo um pouco mais tempo do que o necessário para alimentá-lo. Mas só mesmo de vez em quando…
– Família – dissera o padre ao seu tio. – Toda a gente sabe que os Conti cuidam dos seus.
Os Conti dominavam o oeste do vale, os Di Savo controlavam o este.
O padre disse-lhe que a lealdade para com os seus estava acima de tudo. Por isso, depois daquelas severas palavras, o tio de Bastiano e a sua reticente esposa tinham levado o pequeno Bastiano para a casa eles. Mas nunca foi um lar para ele. Fora sempre considerado um intruso e, se havia algum problema, era ele sempre o primeiro a ficar com as culpas e o último a ser perdoado. Se havia quatro doces, não os dividiam para que passassem a cinco: Bastiano era o que ficava sempre sem nenhum. E ele, que se sentava na escola ao lado de Raul di Savo, tinha começado a perceber porquê.
– Raul, qual seria a primeira coisa que os teus pais salvariam se houvesse um incêndio? – perguntara-lhe a Irmã Francesca durante uma aula.
Raul encolhera os ombros.
– O teu pai – insistira ela, – qual seria a primeira coisa que ele levaria?
– O seu vinho.
Toda a turma se riu e a freira, cada vez mais desesperada, dirigira-se a Bastiano.
– Bastiano, o que salvaria a tua tia?
Ele olhara-a com os seus sérios olhos cinza e franzira o sobrolho enquanto respondia.
– Os seus filhos.
– Correto.
Já ela se voltara para o quadro e ele ainda continuava de sobrolho franzido porque, realmente, aquela era a resposta certa. A sua tia salvaria os filhos, mas não o salvaria a ele.
Um dia, quando tinha sete anos, mandaram-no ir buscar doces à pastelaria e a mulher do pasteleiro fez-lhe uma festa na cabeça. Ele estava tão pouco habituado a mostras de carinho que o seu rosto iluminou-se e ela disse-lhe que tinha um sorriso muito bonito.
– Você também – disse ele.
– Toma – ela riu-se e deu-lhe um cannoli por ter-lhe alegrado a manhã.
Bastiano e Raul sentaram-se na ladeira e comeram o doce. Os dois miúdos deveriam ser inimigos mortais, já que os Conti e os Di Savo se tinham guerreado durante gerações por causa das vinhas e das terras do vale, mas Bastiano e Raul tinham-se tornado grandes amigos.
Aquele breve encontro na pastelaria tinha servido de lição a Bastiano: aprendera que poderia usar o seu encanto. Um sorriso fazia maravilhas e, mais tarde, aprendeu também a seduzir com os olhos, mas, nesse caso, já recebia como recompensa algo muito mais doce do que um cannoli.
Bastiano e Raul continuaram a ser amigos, apesar dos protestos das suas famílias. Costumavam sentar-se na ladeira que ficava ao lado do convento, já vazio, e bebiam vinho barato. Enquanto olhavam para o vale, Raul contou-lhe das sovas que a sua mãe costumava levar, dizendo-lhe que não tinha vontade nenhuma de ir para a universidade em Roma.
– Então, fica cá.
Para Bastiano era tão simples quando isso. Se ele tivesse tido uma mãe, ou alguém que gostasse dele, não se iria embora. Também não queria que Raul partisse, mas, claro, não o admitiu.
Raul acabaria por se ir mesmo embora.
Uma manhã, quando descia a rua, viu Gino a sair aos gritos da casa de Raul, deixando a porta aberta. Raul estava fora e, tendo em conta o que lhe tinha contado o seu amigo, ele achou que deveria verificar se a mãe dele estava bem.
– Senhora Di Savo…
Chamou, sem que ela respondesse, mas ouviu-a a chorar. Os tios deles diziam que ela era uma desequilibrada, mas Maria di Savo sempre fora amável para ele. Preocupado, entrou e encontrou-a ajoelhada no chão da cozinha.
– Olá…
Serviu-lhe uma bebida, agarrou um pano, molhou-o com água e colocou-lho no olho negro.
– Quer que chame alguém? – perguntou-lhe ele.
– Não.
Ajudou-a a levantar-se e ela apoiou-se nele enquanto chorava. Bastiano não sabia o que fazer.
– Porque não o deixa?
– Já tentei muitas vezes – respondeu ela.
Bastiano franziu o sobrolho porque Raul dizia-lhe sempre que já tinha pedido à mãe que deixasse o seu pai mas que ela recusara sempre.
– Não poderia viver em Roma com o Raul?
– Não quer que eu vá, ele abandonou-me – Maria soluçou. – Ninguém gosta de mim.
– Isso não é verdade.
– Falas a sério?
Ela olhou para ele e ia corrigir-se, acrescentar que não era isso que queria dizer, que havia muita gente que gostava dela… Não ele…
Ela levou uma mão ao rosto dele.
– És muito bonito.
Maria passou uma mão pelo seu espesso cabelo escuro, mas ele deu-se conta de que não era o mesmo gesto da mulher do pasteleiro, que ela era mais… carinhosa. Desconcertado, afastou-lhe a mão e retrocedeu alguns passos.
– Tenho de ir-me embora.
– Ainda não – refutou ela.
Maria estava vestida apenas com a camisa de noite, de onde despontavam os seus seios. Ele virou-se para se ir embora e para que ela não se envergonhasse ao perceber que tinha os seios à mostra.
– Não te vás embora, por favor.
– Tenho de ir trabalhar.
Ele já tinha deixado a escola e trabalhava num bar, que era uma fachada para os negócios mais escuros do tio.
– Bastiano, por favor…
Agarrou-lhe o braço. Ele deteve-se e ela rodeou-o para pôr-se à frente dele.
– Oh…
Ela mirou-se no espelho e viu como os seios estavam à mostra, mas Bastiano nem olhou, fingindo não se dar conta. Pensou que ela se cobriria, mas não só não o fez como ainda lhe pegou numa mão e a colocou sobre a sua pele lisa. Ele gostava das raparigas, mas era sempre ele quem seduzia. Calculou que Maria teria uns quarenta anos e, além disso, era a mãe do seu melhor amigo!
– Senhora Di Savo…
Ela pôs uma mão em cima da dele quando ele tentou retirá-la.
– Chama-me Maria – interrompeu-o ela com uma voz grave e rouca.
Ele podia ouvir a sua respiração profunda e, quando ela retirou a mão, ele continuou com a sua sobre o peito dela.
– Estás… duro – prosseguiu ela enquanto o acariciava.
– O Gino pode…
– Só voltará à hora do jantar.
Bastiano estava habituado a ser ele a dominar, mas não seria ele a mandar naquela ardente manhã. Maria voltou a ajoelhar-se, desta vez por vontade própria e tudo acabou em poucos minutos.
Quando ele se foi embora, jurou nunca mais voltar ali. No entanto, nessa mesma tarde foi à farmácia, comprou preservativos e, uma hora mais tarde, já estavam na cama.
Era ardente, intenso e proibido. Encontravam-se sempre que podiam, mas nunca era o suficiente para Maria.
– Vamos fugir daqui – disse-lhe Bastiano.
Tinha recebido o salário e havia sempre o anel da sua mãe, para o caso de tudo o resto falhar. Não conseguia suportar a ideia de ela estar com Gino nem um minuto mais.
– Não podemos – respondeu ela. Ainda assim, pediu-lhe o anel e ele observou-a enquanto ela o punha. – Se me amas, queres decerto que eu tenha coisas bonitas.
– Maria, devolve-me o anel.
Era a única coisa que tinha da sua mãe, mas Maria não cedeu e ele foi-se embora. Subiu a ladeira do convento e sentou-se para tentar aclarar as ideias. Toda a vida desejara saber o que era essa coisa tão esquiva a que chamavam amor e descobrira que lhe era indiferente. Naquele momento, era ele quem queria ir-se embora, e queria o anel da sua mãe.
Levantou-se para descer até à aldeia e, então, um carro a toda a velocidade virou numa curva.
– Stolto – murmurou em voz baixa.
Chamou «estúpido» ao condutor enquanto o via fazer outra curva… e sair da estrada. Correu até aos destroços fumegantes mas impediram-no, dizendo-lhe que era o carro de Gino.
– É o Gino?
– Não! – gritou-lhe uma mulher que trabalhava no bar. – Liguei à Maria para dizer-lhe que Gino estava a ir para casa e que estava furioso. Tinha ficado a saber do vosso caso! Ela meteu-se no carro e…
A morte de Maria e as suas consequências tinham posto Bastiano numa má situação. Raul voltou de Roma e na véspera do enterro foram para a ladeira onde tantas vezes se sentavam quando eram crianças.
– Podias ter escolhido qualquer uma do vale! – exclamou Raul, que mal conseguia conter a fúria.
– Fui ver como ela estava e…
No entanto, Raul não queria ouvi-lo contar como a sua mãe o tinha seduzido.
– E puseste em ação todo o teu falso charme.
Raul já o tinha visto em ação. Sabia que Bastiano poderia atrair a mais tímida das mulheres com os seus olhos e derreter-lhe a contenção usando apenas um sorriso.
– Fui um idiota por confiar em ti – prosseguiu Raul. – É como se tu próprio a tivesses matado.
Como sempre, ele era o primeiro a levar com as culpas e o último a ser perdoado.
– Nem te aproximes do funeral – avisou-o Raul.
No entanto, Bastiano não poderia deixar de estar presente, por isso as coisas só pioraram no dia seguinte. Depois de uma luta feroz ao lado da sepultura, soube-se que Maria tinha deixado metade do seu dinheiro a Bastiano. Raul, agora seu ex-amigo, acusou-o de ter levado a mãe à morte e jurou que dedicaria o resto da vida a prejudicá-lo.
– Não és nada, Conti. Nunca foste nada, nem nunca serás alguém, nem com o dinheiro da minha mãe.
– Não me percas de vista – avisou-o Bastiano.
Era costume dizer-que que era preciso uma aldeia para criar uma criança, mas quando toda uma aldeia considerava a criança um embusteiro e mentiroso, um sedutor, um canalha, era nisso que a criança se tornava. Por isso, quando Gino, bêbado, o foi enfrentar, Bastiano, em vez de controlá-lo, só piorou as coisas. Quando Gino disse que Maria era uma prostituta, ele fez uns cornos pondo a mão na testa e insultou-o da pior maneira possível.
– Cornuto!
Todos os habitantes concordaram que Bastiano era do piorio.
Algumas noites eram um verdadeiro inferno.
– Bastiano!
Ouviu aquela conhecida e açucarada voz e soube que só podia estar a sonhar, porque Maria tinha morrido há muito. Estava sozinho na cama, algo pouco habitual, e esforçou-se para acordar enquanto amanhecia em Roma.
– Basiano! – voltou ela a chamar.
Baixou a mão, comprovou que não tinha o membro duro, o que era um triunfo, e esboçou um sorriso enquanto lhe dizia em silêncio que já não ficava duro por causa dela.
Maria deu-lhe uma bofetada com o anel da mãe dele enfiado num dedo. Ele levou a mão à cara porque a ferida se abrira. O sangue corria-lhe entre os dedos.
Bastiano lutava consigo mesmo até em sonhos. Sabia que estava a sonhar porque a luta com Raul fora no cemitério; aquela ferida era posterior ao enterro de Maria. Toda a gente o culpava pela morte dela.
Era por isso que estava ali, uns quinze anos depois, numa das suites presidenciais do hotel Grande Lucia de Roma. Raul di Savo estava a pensar comprá-lo e isso significava que estava no topo da lista de coisas que teria de conseguir.
Fez um esforço para acordar e olhou para o relógio da mesinha de cabeceira. Desligou o despertador porque já não precisava dele, não voltaria a adormecer. Sabia o porquê do regresso de Maria aos seus sonhos. Na verdade, nunca parara de sonhar com ela, mas desta vez o sonho era muito vívido e ele atribuía-o ao facto de ele e Raul estarem no mesmo hotel.
Ouviu bater levemente à porta da suíte e alguém a tentar entrar sem fazer barulho com o carrinho do pequeno-almoço.
– Puzza!
Bastiano sorriu quando ouviu a empregada praguejar por ter tropeçado em algo e soube, pela palavra, que ela era siciliana. Deixara a porta do quarto principal aberta, mas ela voltou a bater.
– Entre.
Estava habituadíssimo ao serviço de quartos. Não só estava a pensar comprar o hotel, como também era proprietário de vários estabelecimentos de primeira categoria. Fechou os olhos para indicar-lhe que não queria conversas.
Sophie reparou que ele não se tinha mexido para sentar-se e nem lhe disse «bom dia». As normas eram muito claras no Grande Lucia e os empregados estavam muito bem treinados. Ela adorava o seu trabalho e, embora não costumasse ser ela a levar os pequenos-almoços, tinham-lhe pedido que levasse aquele antes de terminar o seu turno da noite. Tinham-lhe ligado tarde, na noite anterior, e faltara à reunião de equipa, onde eram informados de quais seriam os hóspedes importantes presentes, das suas características e das suas exigências concretas. Naturalmente, ela sabia que qualquer hóspede que estivesse na suite presidencial era importante. Para mais, tinha verificado o nome dele no pedido de pequeno-almoço.
Era o senhor Bastiano Conti.
O mais silenciosamente que pôde, abriu umas cortinas grossas e as portadas das janelas para que o hóspede, quando se levantasse, pudesse ver Roma em todo o seu esplendor matinal.
E aquele ia ser um dia esplêndido!
Sophie sentiu-se como que a abrir as cortinas de um palco e a fazer surgir um cenário maravilhoso. Havia muito poucas nuvens e depressa estas se dissipariam, porque ia ser um dia quente de verão. O Coliseu parecia saído de um postal ilustrado e a sua beleza causava-lhe pele de galinha. De facto, aquele era um grande dia porque, se não tivesse tomado uma decisão complicada e não tivesse recusado o desejo da sua família para que casasse com Luigi, hoje seria a véspera do seu primeiro aniversário de casamento.
Por um instante, esqueceu-se de onde estava e deixou-se ficar a admirar a vista enquanto refletia sobre o ano anterior. Tomara decisões complicadas, mas estava completamente segura de que tinham sido as certas. Naturalmente, os homens despertavam-lhe curiosidade, mas conseguia separá-la da necessidade de casamento, algo que a sua mãe não conseguia compreender. Quanto tentara imaginar a noite de núpcias com Luigi sentira o sangue gelar-lhe nas veias. Saíra com alguns jovens em Roma, mas os beijos húmidos de Luigi tinham deixado sequelas e, apesar da curiosidade, afastara-se sempre que um homem fazia um avanço.
Os seus pais achavam que levava uma vida pecaminosa em Roma, mas, desgraçadamente, não podiam estar mais enganados. Ela sabia que era ingénua, mas também era forte, forte o bastante para recusar um homem e um casamento que não queria.
– Buongiorno.
Uma voz grave fê-la voltar à realidade. Voltou-se e deu-se conta de que a tinham surpreendido a sonhar acordada e que havia um importante hóspede na sua própria suite.
Queria desculpar-se mas ficara sem ar. Ali, deitado na cama e a observá-la com indiferença, estava uma vista ainda mais cativante do que aquela que acabara de admirar. Era alto, tinha as mãos atrás da cabeça e o torso nu. Sabia-o porque o lençol só o tapava até meio do abdómen.
Era magnífico, a pele era de um tom de azeitona e o cabelo muito escuro. A única falha em tanta perfeição era uma cicatriz que lhe cruzava uma face, mas até isso fazia com que parecesse mais belo. No entanto, o que lhe chamou mais a atenção foram os seus olhos. Eram cinza e penetrantes, e, quando os olhares de ambos se encontraram, sentiu-se ficar sem fôlego e sem conseguir desviar o olhar. O que era muito raro nela. Estava muito habituada a homens ricos e bonitos no seu trabalho, mas os seus olhos não se conseguiam desviar daquele e sorriu um pouco em vez de desculpar-se.
– Estava a preparar-lhe a vista, senhor Conti.
Ele sorriu levemente perante aquele dito, como se ela tivesse arranjado tudo o que estava lá fora especificamente para ele.
– Obrigado – ele olhou pela janela. – Fez tudo muito bem.
Então, voltou a olhar para ela. Quando lhe pareceu que ela estava a demorar demasiado tempo, abrira os olhos para dizer-lhe que se apresasse e saísse, mas viu algo nela que acalmou a sua tradicional impaciência.
Naquele momento, ela hipnotizava-o.
Os olhos que fixavam os dele eram castanho-escuros. Ele já sabia, porque observara-a demoradamente: era esbelta, vestia uma farda verde clara, calçava uns sapatos rasos e tudo parecia ficar-lhe um pouco largo. Naquele momento, enquanto olhava para o seu rosto, viu que tinha o cabelo castanho e espesso apanhado num carrapito um pouco despenteado de onde saíam algumas longas madeixas. Pensou que parecia cansada e presumiu que estaria a terminar o seu turno, não a começá-lo.
Ela fizera-o sorrir, só um pouco, mas era uma autêntica surpresa, tendo em conta o sonho que não conseguia tirar da cabeça. O quarto estava bastante desarrumado e a elegante sala não devia estar muito melhor, deveria haver uma garrafa de champanhe caída pelo chão e, seguramente, teria sido isso a levá-la a praguejar.
– Quer que lhe sirva o pequeno-almoço?
Ela continuava um pouco nervosa, e não apenas por ele a ter surpreendido a olhar pela janela. Aproximou-se do carrinho com o pequeno-almoço e ergueu uma das campânulas de prata.
– Não, obrigado – respondeu Bastiano. – Conformo-me com que me traga apenas um café.
– Quer também água ou um sumo? – ele viu que ela fazia uma levíssima careta e captou o tom de voz quando prosseguiu: – Se calhar quer as duas coisas…
Ele voltou a sorrir quando ela deixou claro que suspeitava que ele estivesse de ressaca.
– Sim, por favor.
Ela levou-lhe os dois copos e ele bebeu a água enquanto ela voltava ao carrinho para servir-lhe o café. Normalmente, ele servia o seu próprio café porque não gostava de conversas, mas, naquele momento, era ele quem fazia conversa.
– É siciliana? – perguntou-lhe ele enquanto ela levava o café até à mesa de cabeceira.
Ela assentiu com a cabeça, mas fez um esgar de desagrado ao perceber que ele a tinha ouvido praguejar.
– Eu também. O que é aquilo? – perguntou-lhe ele apontando para o carrinho.
Embora ela tivesse voltado a tapar a comida era possível sentir um odor intenso a especiarias.
– Shakshuka. Uns ovos escalfados do Médio Oriente – explicou ela.
O impressionante hóspede enrugou o nariz e ela receou que a cozinha tivesse confundido os pedidos. Comprovou rapidamente a folha do pedido e viu que estava tudo bem.
– Você é que pediu…
– Onde estaria com a cabeça? – retorquiu ele.
– Ouvi dizer que estão muito bons – a julgar pelo cheiro, a sua recomendação era muito acertada. – Quer que os leve de volta e que lhe traga outra coisa?
– Está bem – ele abanou a cabeça. – Deixe-os.
– Espero que passe um excelente dia.
Ele deixou escapar um riso algo amargo e assentiu com a cabeça.
– Você também.
Ela ia fechar a porta do quarto, mas ele disse-lhe para a deixar aberta. Enquanto saía, apanhou a garrafa de champanhe em que tinha tropeçado e deixou-a na bandeja. A sala estava um caos e adoraria poder arrumá-la naquele preciso momento, mas esse não era o seu trabalho naquele dia e, além disso, era demasiado cedo para ocupar-se de uma suite.
Em qualquer caso, já tinha terminado a sua jornada de trabalho e foi buscar as suas coisas e passar o cartão na saída.
– Por que andas a levar pequenos-almoços? – perguntou-lhe Inga enquanto tirava o casaco do cacifo.
Sophie, por cortesia, comentara o motivo de terminar a sua jornada de trabalho um pouco mais tarde, mas Inga aumentara ainda mais o seu já habitual tom crítico.
– Isso é coisa para as empregadas mais veteranas.
– Faço o que me dizem para fazer – refutou Sophie.
Inga virou-se para sair e Sophie deitou-lhe a língua de fora. Não se davam bem. Inga gostava de levar os pequenos-almoços e sobretudo a homens muito ricos. Embora fazer… favores fosse rigorosamente proibido, ela tinha quase a certeza de que era por isso que ela tinha aquela mala tão exclusiva que acabava de guardar no cacifo.
Mas ela não queria julgar ninguém e procurava não o fazer.
A sua antipatia em relação a Inga devia-se aos seus comentários depreciativos e bocas. Ela tentava ao máximo não dar importância a isso, mas por vezes era muito difícil. Nem sequer sabia que raio tinha feito para merecer o rancor de Inga.
Ainda assim, decidiu não pensar mais no assunto. Estava desejosa de ir para casa, estava cansada e esfomeada e sonhava meter-se na cama. Em vez de sair pela porta lateral, saiu, como fazia muitas vezes, pela cozinha. Por dois motivos: era por ali que saía diretamente para o beco que ficava perto do pequeno apartamento que partilhava com mais duas raparigas e, além disso, com um pouco de sorte, o desvio poderia proporcionar-lhe um pequeno-almoço grátis.